Texto original do Dr Ghaheri – médico otorrinolaringologista que se tem dedicado a tratar e ensinar sobre freios curtos e como eles podem ter um impacto muito negativo na amamentação.
«Espero que todas as grávidas possam ler isto.
Desde sempre, tenho-me focado nos fatores que podem contribuir para que um recém-nascido deixe de ser amamentado. Um dos mais comumente citados é a percepção da mãe de que não consegue produzir leite suficiente, apesar de, na minha opinião, ser mais provável que o bebé não consiga retirar leite de forma eficaz da mama por ter um freio da língua curto.
Outros fatores, como o ingurgitamento mamário, falta de apoio hospitalar na amamentação, introdução precoce de mamilos de silicone, e a suplementação com leite artificial quando a amamentação não está a correr bem, também são comuns. É este último motivo – mamadas ineficazes e subsequente perda de peso – o mais comumente referido para justificar a interrupção da amamentação. Oiço com frequência que “desde o primeiro dia, o meu bebé perdeu 11% do peso de nascimento por isso fui obrigada a dar-lhe fórmula”. Sabemos que a introdução de um leite artificial no hospital tem um impacto significativo (e negativo) nas taxas de amamentação exclusiva.
Muito do que vou escrever a seguir está especificamente relacionado com os nascimentos em meio hospitalar. Não vejo a mesma pressão para interromper a amamentação nos partos domiciliares ou em centros de nascimento. Nesses contextos, tende a haver uma atitude mais ativa na busca de soluções para a amamentação quando ocorre uma perda de peso importante. No entanto, quando o mesmo problema acontece no hospital, as pessoas ficam histéricas.
Pensemos como é desmoralizador para uma recém-mãe ouvir alguém, repetidamente, dizer-lhe que “o teu bebé já perdeu 8% do peso” e de seguida “10%” e depois “12,2%”, etc. Vamos ver por que é que o foco na perda de peso em contexto hospitalar é potencialmente descabido.
O grande fator de diferenciação do hospital é a administração de fluídos intravenosos durante o parto. Seria possível um bebé, que apenas consome pequenas quantidades de colostro, perdesse tanto peso de forma natural nas primeiras 24 ou 48 horas após o nascimento? É essa pequena quantidade consumida responsável pela perda pouco acentuada de peso em bebés sem dificuldades na amamentação?
Não me parece.
Muitos têm argumentado que a perda inicial de peso tem mais a ver com a perda pela urina do excesso de fluídos recebidos através da placenta durante o trabalho de parto. Vamos olhar para 2 estudos:
Este é, francamente, um estudo incrível. Olharam para mais de 100 mil bebés na Califórnia, pelo que os dados recolhidos representam um grupo multiétnico e podem ser aplicados a qualquer bebé. Eles mostram as alterações que podem ocorrer no peso a cada hora que segue o nascimento e desenvolveram gráficos para que as pessoas compreendam o que é uma progressão de perda de peso normal. Inclusive, desenvolveram uma ferramenta online em www.newbornweight.org que permite inserir informação para gerar a curva (de perda de peso) esperada para o teu bebé. Isto pode ajudar bastante a aliviar o medo sobre o sucesso da amamentação.
As conclusões a que chegaram são impressionantes: “Quase 5% dos bebés nascidos por via vaginal e quase 10% dos bebés nascidos por cesariana apresentaram uma perda superior a 10% do peso de nascimento às 48 horas de vida. Às 72 horas, mais de 25% dos recém-nascidos nascidos por cesariana tinham perdido mais de 10%.”
Este estudo demonstrou uma correlação entre a quantidade de fluídos intravenosos (IV) administrados à mãe e o grau de perda de peso do bebé. Quanto maior a quantidade de fluídos IV recebidos durante o parto, maior a perda de peso. Os autores mostraram que grande parte da diurese (urina) do excesso de líquidos acontece nas primeiras 24 horas e recomendaram que o bebé fosse pesado com 24 horas de vida para corrigir o peso de nascimento. Servindo, este registo, como referência para avaliações futuras do peso, e capaz de aliviar preocupações dos profissionais de saúde.
Este é um exemplo de como os hospitais, consultores de lactação e médicos responsáveis por recém-nascidos devem manter as coisas em perspetiva. Não serve para dizer que devemos ignorar a perda excessiva de peso – consequências sérias para a saúde do bebé podem acontecer quando os níveis de açúcar no sangue baixam devido a mamadas pouco eficazes. Estes estudos servem para chamar a atenção para a normalidade da perda de peso e para que os profissionais procurem perceber PORQUÊ – por que é que a amamentação não está a correr bem.
Com demasiada frequência, uma avaliação e intervenção precoces não acontecem e a icterícia devida a elevados níveis de bilirrubina pode desenvolver-se. Isto, em conjunto com dificuldades na amamentação, pode resultar numa necessidade de readmissão do bebé no hospital.
Temos de alimentar os nossos bebés – se a amamentação não está a resultar, as mães devem ser ensinadas a extrair leite ainda no hospital. Os métodos sonda-dedo (finger-feeding), copo ou mesmo um biberão, são preferíveis a mandar uma mãe e bebé para casa para, depois, ver a saúde do bebé ser posta em perigo. Nós, como comunidade médica, temos de começar a aprender como envolver-nos no processo para evitar desmames prematuros.»
Tradução livre de Amamenta Porto
Texto original do Dr Ghaheri em https://www.facebook.com/DrGhaheriMD/posts/536563869838327