Antes de vos falar sobre o que é uma doula, o que não é uma doula, o que faz uma doula e o que não faz uma doula, quero começar com uma imagem. Porque uma imagem vale mais do que mil palavras, e esta é bem ilustrativa do que um trabalho de parto, o nascimento de um bebé, implica – tanto para o bebé como para a mulher.
Nesta imagem observamos a relação da pélvis materna com o tamanho do crânio do bebé ao nascer – e podemos comparar esta relação entre humanos (homo) e outros primatas. De facto, o crânio de um bebé humano, no nascimento, é maior do que a pélvis materna no diâmetro anterior-posterior – o que requer do bebé, no momento de nascer, que faça rotações dentro da bacia. Um vídeo ilustrativo destas rotações: https://youtu.be/OmSlGlSUlF8
Se a posição do bebé não deve ser igual durante o trabalho de parto, como podem as mulheres permanecer sempre na mesma posição, do início ao fim do trabalho de parto?
Assim como o bebé encontra espaços se rodar, as mulheres encontram alívio e forma de lidar mais facilmente com as contrações estando em liberdade de movimentos. Além disso, a pélvis é móvil e, se a mulher se mexer conforme desejar, instintivamente ajuda o bebé na sua tarefa de rodar e encontrar espaço para nascer.
Esta relação tamanho da pélvis materna VS crânio do bebé torna os nossos partos particularmente mais difíceis, muitas vezes mais longos e, por isso, as mulheres têm procurado apoio e assistência durante o trabalho de parto – de uma forma que não se vê noutros mamíferos.
O estudo de culturas nativas tem permitido perceber-se que, na maioria das sociedades ancestrais, as mulheres procuram outras mulheres (as suas mães, irmãs ou outras) no momento de parir. Mas esta necessidade do apoio de outras pessoas não termina com o nascimento do bebé!
Uma vez que os nossos bebés são mamíferos altriciais (não conseguem andar para encontrar alimento – e não conseguem fazê-lo, pelo menos, durante o 1º ano de vida), precisam de ser carregados. E, numa perspetiva evolutiva, os bebés humanos precisam de ser carregados 24/24 horas. Por isso desenvolvemos um sistema de apoio social à parentalidade, em que todos ajudam a cuidar dos bebés.
Infelizmente, na nossa sociedade atual, a maioria das famílias não dispõe desta rede de apoio tão necessária – nem para o momento do nascimento nem para os primeiros meses da vida do bebé.
É neste contexto que surge a figura moderna da doula, atualmente já reconhecida pela Organização Mundial de Saúde como um elemento essencial para um parto seguro.
Ler mais aqui: http://internationaldoulainstitute.com/2016/03/world-health-organization-who-recommends-doulas/
Num artigo publicado no BJOG (An Internationl Journal of Obstetrics and Gynaecology) sobre o nascimento e a evolução humana, publicado por duas antropólogas, Prof. Karen Rosenberg e Drª Wenda Trevathan, lê-se:
“Defendemos que o processo evolutivo resultou numa grande necessidade emocional durante o trabalho de parto, o que levou as mulheres a procurar apoio para o nascimento. Isto sugere-nos que este desejo de apoio e presença de pessoas familiares no momento do parto está intimamente ligado à história da evolução humana.
Infelizmente, em muitos hospitais modernos, existe uma lacuna entre as necessidades da mulher em trabalho de parto e o sistema projetado para atender essas necessidades. É frequente que as mulheres estejam em trabalho de parto com pessoas que não conhecem. (…) Juntar à equipa obstétrica, uma pessoa, cuja responsabilidade principal seja dar apoio social e emocional à mulher em trabalho de parto, parece uma medida razoável na busca de um compromisso por suprimir esta lacuna. As raízes deste tipo de apoio são tão antigas quanto a própria humanidade.”
É nesta busca por resolver esta lacuna – muito típica das sociedades contemporâneas e desenvolvidas – que a figura da doula renasce, como ‘a mulher que serve’ outra mulher na gravidez, parto e pós-parto imediato, sendo uma pessoa próxima e da confiança da mulher grávida e que se dedica, estritamente, ao bem-estar emocional, físico e social da mulher.
Referências
Rosenberg, K. and Trevathan, W. (2002), Birth, obstetrics and human evolution. BJOG: An International Journal of Obstetrics & Gynaecology, 109: 1199–1206. doi:10.1046/j.1471-0528.2002.00010.x, disponível em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1046/j.1471-0528.2002.00010.x/full
Autora: Filipa dos Santos – Doula de Parto e Pós-parto, Assessora de Lactação, Conselheira em Aleitamento Materno