Recentemente, saiu uma notícia na Visão com um título promissor, para não dizer outra coisa, mas que em nada corresponde à realidade do estudo citado: “Nova investigação sobre a melhor altura para começar a dar sólidos aos bebés dá razão aos pais e contradiz médicos”.
A notícia portuguesa dá, ainda, conta de que a introdução dos sólidos aos 3 meses tem, e citando: “implicações positivas na saúde e até no sono”.
Não nos ficámos pela notícia, obviamente – e ninguém deve ficar! Fomos ver o estudo citado, que pode ser consultado na íntegra aqui: https://jamanetwork.com/journals/jamapediatrics/fullarticle/2686726
Comecemos pelo título do estudo que, numa tradução livre, nos diz que se encontrou uma “associação entre a introdução precoce dos sólidos e o sono infantil”. Ora, isto não tem nada a ver com o que nos diz o artigo na Visão, que dá conta de benefícios na saúde – não especificados – “e até no sono”.
Pois os investigadores do estudo em questão limitaram-se a perguntar o seguinte, e foi apenas sobre isso que teceram observações e conclusões:
“O consumo precoce de sólidos (antes dos 6 meses) influencia o sono infantil?”
Foram incluídos 1303 bebés de 3 meses de idade e, de forma aleatória, foram divididos por 2 grupos. Um dos grupos começou a introdução de outros alimentos aos 3 meses e o outro grupo manteve a amamentação exclusiva até cerca dos 6 meses, como recomendado pela OMS, DGS, SPP, ESPGHAN e todas as organizações e entidades nacionais e internacionais que emitem recomendações em alimentação infantil.
Os autores do estudo dizem-nos que descobriram que “a introdução precoce de sólidos aumenta significativamente a duração do sono e reduz os despertares noturnos e a comunicação de problemas sérios de sono”.
Avaliando estes resultados, percebemos que existem diversas fragilidades. O momento em que se encontraram diferenças mais significativas entre os dois grupos foi pelos 6 meses – foi nesta altura que se registou o maior pico de mais quantidade de sono no grupo da introdução precoce de outros alimentos. Nada mais, nada menos, do que uma média de 16,6 minutos a mais (variando entre 7,8 e 25,4 minutos a mais).
Sim, leram bem. Estamos aqui a ver que se quer dar a entender que uma introdução aos 3 meses pode ser benéfica com base em 16,6 minutos a mais de sono aos 6 meses – sendo que este foi o maior pico de diferença registado entre os dois grupos de bebés! No geral, a diferença de maior quantidade de sono foi de apenas 7,3 minutos a mais, em média!
Além disso, o estudo concluiu que os bebés com introdução precoce de alimentos acordam menos vezes: em média, registaram 9% menos despertares. Mas como é que isto se traduz em números reais? Os despertares noturnos reduziram-se de uma média de 2 para 1,74!
Outros resultados a que não deram destaque mas que são interessantes salientar:
Não houve diferença na quantidade de sono diário entre os 2 grupos.
Pelos 6 meses, os bebés dos 2 grupos consumiam sólidos nas mesmas quantidades, sem diferenças nos parâmetros antropométricos até 1 ano (peso das crianças, altura, etc.).
Ora, estas conclusões não deixam margem para dúvidas: NÃO podemos tirar conclusões de que este estudo mostre que exista evidência de melhor saúde nos bebés com introdução precoce de alimentos, como a Visão dá conta.
É, ainda, importante referir que este estudo foi feito com base em questionários que os pais preenchiam e que não houve qualquer avaliação objetiva que permitisse medir, efetivamente, a quantidade de sono real. Sabe-se bem que existe uma diferença entre a perceção de sono que os sujeitos declaram VS o sono medido em laboratório – e isto não é feito intencionalmente, naturalmente; simplesmente a nossa perceção de sono, do nosso e dos nossos filhos, corre um grande risco de viés pela própria natureza do sono.
O que é que isto quer dizer, e que até foi mencionado pelos próprios investigadores no estudo? Que existe uma possibilidade dos resultados estarem enviesados pela perceção dos pais de que os filhos dormiam melhor estando a comer outros alimentos, pois é uma crença socialmente aceite e enraizada na sociedade.
O que é que isto significa, na prática? Que temos um estudo, que vale o que vale. Analise, o(a) leitor(a), se dormir cerca de 16 minutos mais por noite e acordar menos 0,3 vezes por noite é suficiente para o levar a dar outros alimentos a um bebé de 3 meses!
O que não queremos é ver notícias distorcerem conclusões de estudos e não fazerem um trabalho exaustivo de avaliação de resultados de investigação científica quando se propõem a publicar sobre eles!
Avaliemos, agora, a evidência científica sobre a duração ótima da amamentação exclusiva.
Felizmente, a Biblioteca Cochrane tem uma revisão de toda a literatura (2012) que incluiu 2 estudos com controlo e randomização (o mesmo tipo de estudo que avaliámos acima) e mais 21 outros estudos.
Nisto da evidência científica, há que perceber que 1 único estudo é bem diferente de uma revisão de VÁRIOS estudos, em que as conclusões que se pode tirar aproximam-se mais da realidade e permitem melhores generalizações e fundamentação de práticas. E é nesta revisão da Biblioteca Cochrane que a OMS se baseia para recomendar 6 meses exclusivos de amamentação – e não num único estudo.
“Os bebés amamentados em exclusivo por 6 meses apresentam menos morbilidade por infeções gastrointestinais comparativamente com aqueles que são parcialmente amamentados por 3 ou 4 meses, e não se encontraram défices no crescimento destas crianças, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento. (…) A evidência existente demonstra que não existe risco aparente na recomendação, de forma geral, de amamentação exclusiva pelos primeiros 6 meses, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento.”
É esta a conclusão dos autores da revisão científica de que falámos acima e que pode ser totalmente consultada aqui: http://cochranelibrary-wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD003517.pub2/abstract;jsessionid=CDD27A2FA2B7EEAD09105BF246A71709.f04t04
Por último, não é demais salientar que nenhuma organização credível recomenda a introdução de alimentos ANTES dos 4 meses, inclusive a ESPGHAN reforçou a recomendação de não o fazer em 2017, pois existe evidência de que os bebés menores desta idade não apresentam maturação que lhes permita digerir alimentos além de leite (seja materno ou fórmula).
Consultar documento completo aqui: https://journals.lww.com/jpgn/Fulltext/2017/01000/Complementary_Feeding___A_Position_Paper_by_the.21.aspx?TB_iframe=true&width=921.6&height=921.6
Artigo por Filipa dos Santos (conselheira em aleitamento materno, assessora lactação, politóloga de formação, fundadora Rede Amamenta).
Comecei a introdução de sólidos(frutas e legumes) no meu filho desde os 4 meses. Quando comecei a introduzir as minhas noites de sono foram mais tranquilas e longas. O meu menino começou a ficar ainda mais ativo.
Mais aos 8 meses comecei a introduzir leite de fórmula e papas industriais,notei que o meu menino começou a ficar cada vez mais irritado,dormia menos,sofria muito com prisão de ventre. Quando retirei o leite e a papa tudo voltou ao normal.Do meu ponto de vista o que faz mal são esses alimentos processados,os de fórmula e os industriais. Frutas e verduras não fazem mal a ninguém mesmo em tenra idade.
Olá Neuma,
Ficamos felizes por saber que concorda com o que procuramos transmitir às mães e pais deste universo.
Importa oferecer aos nossos bebés os alimentos mais saudáveis para que no futuro sejam cidadãos saudáveis também.
Um beijinho, desejo que tudo vos corra bem.