Motivos Reais e Fictícios para Indicar Suplemento – PARTE 2

Na 1ª parte deste artigo, reuni mais de 70 motivos que as mães já ouviram, de um profissional de saúde, para justificar a indicação de suplementar um bebé. Nesta 2ª parte, iremos falar sobre as situações em que a introdução de suplemento pode estar, de facto, indicada clinicamente, bem como o impacto na saúde e amamentação da introdução de suplemento sem necessidade real. Vamos focar-nos em bebés recém-nascidos, com poucos dias ou horas de vida e saudáveis.

Se foi indicado suplemento ao teu bebé (independentemente de ser realmente necessário ou não) e desejas manter a amamentação, podes pedir apoio a um profissional com formação em aleitamento materno para que encontrem a melhor forma de proteger a amamentação e, se possível, retirar ou reduzir o suplemento para o mínimo indispensável! Podes procurar apoio em www.amamenta.net.

Este artigo baseia-se no Protocolo Clínico Nº 3 da Academy of Breastfeeding Medicine, que pode ser consultado integralmente aqui.

Apesar de todas as guidelines internacionais e boa evidência científica de que a amamentação exclusiva é a melhor nutrição para um bebé e a melhor forma de o proteger contra problemas de saúde e doenças a curto e longo prazo (1), a recomendação de introduzir suplemento (normalmente de leite artificial/fórmula) ainda continua a ser feita displicentemente.

A introdução de suplementos nos primeiros dias de vida diminui a duração da amamentação, (2) (3) por isso devem ser evitados e introduzidos cuidadosamente, e apenas quando necessário.

Pequenas quantidades de colostro são suficientes para alimentar um recém-nascido de termo, saudável, e manter dentro do normal os níveis de glicemia! O bebé tem um estômago pequeno ao nascer e não precisa de muita quantidade. (4) (5) (6) (7) (8)

Além disso, pequenas quantidades de colostro, que é mais espesso e viscoso do que o leite materno maduro ou o leite artificial, são extremamente importantes para ajudar o bebé a aprender a mamar. Introduzir suplementos nesta fase, sem verdadeira indicação clínica, só contribui para atrasar o processo de aprendizagem da coordenação sucção-deglutição-respiração, que deve acontecer à mama – não só porque é MAIS FÁCIL mamar à mama, mas porque é a única forma 100% segura de alimentar um recém-nascido. Para mais informação, ler o artigo “O biberão é mais fácil? De certeza?”

Há dois motivos mais frequentemente apontados pelas mães para a indicação de introduzir suplemento num recém-nascido: Choro do Bebé e Peso do Bebé (perda inicial ou demora na recuperação).

Um estudo com mais de 160 mil bebés amamentados mostrou diferenças significativas na perda de peso inicial, conforme o tipo de parto. Os bebés nascidos por cesariana apresentam uma tendência para perder mais peso do que os bebés nascidos vaginalmente. (9) E os bebés de mães que recebem grandes quantidades de fluídos intravenosos durante o parto apresentam uma tendência para perda excessiva do peso inicial. (10) (11)

Isto significa que a perda de peso inicial e a percentagem de peso perdido não está sempre ligada à qualidade das mamadas e à quantidade de leite que o bebé retira da mama. Há, por isso, bebés amamentados que perdem 10% ou mais do peso com que nasceram devido ao parto que tiveram e intervenções a que foram submetidos durante e após o nascimento – e que não precisam de qualquer suplemento!

Os estudos mostram que os bebés amamentados recuperam o peso com que nasceram, em média, pelos 8,3 dias de vida, sendo que, com 21 dias, 95,5% apresenta recuperação total do peso de nascimento, sem se recorrer a suplementos. (12)

É claro que um bebé que não segue o padrão habitual de perda e recuperação do peso de nascimento deve ser avaliado e a amamentação precisa de ser observada, no entanto, a maioria dos bebés amamentados não precisa de suplementação para recuperar o peso de nascimento. Nem precisam de suplemento nas primeiras horas de vida pelo peso com que nasceram – a evidência científica mostra que O COLOSTRO É SUFICIENTE! (4) (5) (6) (7) (8)

Suplementar um bebé recém-nascido, sem indicação clínica para tal, prejudica a confiança da mãe na sua capacidade de amamentar e de alimentar o seu bebé – naquele momento e no futuro! (13) Muitos bebés tomam suplemento no hospital ou os pais recebem essa indicação nas primeiras horas de vida do bebé (sem que haja motivo válido), o que gera insegurança e leva à manutenção do suplemento em casa ou à sua introdução nessa fase, simplesmente porque a confiança na capacidade de nutrir e nos sinais de satisfação do bebé foi totalmente abalada durante a estadia hospitalar. (14)  Escrevi mais sobre este assunto para o Blog a 8: “Confia no Super-Poder da Amamentação”.

Ao introduzir suplemento, especialmente sem que haja certos cuidados, há um risco aumentado de desmame precoce (15). Ver esquema abaixo.

Abaixo, apresento-vos, então, uma lista de indicações possíveis para suplementar um recém-nascido de termo e saudável, de acordo com o Protocolo Clínico Nº 3 da Academy of Breastfeeding Medicine.

O protocolo citado recomenda que TODOS os bebés sejam formalmente avaliados ANTES da introdução de qualquer suplemento. Deve avaliar-se a posição e pega à mama, bem como a transferência de leite (quantidade de leite que o bebé retira ao mamar). Esta avaliação deve ser feita, preferencialmente, por um profissional com treino e experiência em consultoria de lactação.

A decisão de suplementar deve basear-se na aplicação das guidelines, de forma individual, i.e., caso a caso. E é responsabilidade do profissional de saúde informar os pais, de forma plena, sobre os riscos e benefícios da introdução de suplemento, ouvir e documentar a decisão dos pais e apoiá-los na sua decisão! (16) (17)

Sim, leste bem! Ser coagida(o), de qualquer forma, pelo profissional de saúde para introduzir suplemento – seja este necessário ou não – não só não é boa prática, como viola o direito ao consentimento informado. Para mais informação sobre este assunto, ler: “Consentimento Informado, Esclarecido e Livre Dado por Escrito”, DGS.

Quando a introdução de suplemento é medicamente necessária, o principal objetivo é garantir que o bebé é bem alimentado, ao mesmo tempo que se procura otimizar a produção de leite materno e se determina a causa para a produção de leite insuficiente, mamadas ineficazes ou transferência de leite pouco adequada. Os suplementos devem ser dados de forma a que se preserve a amamentação, limitando a quantidade que o bebé toma ao que realmente precisa, evitando tetinas e mamilos artificiais (18), estimulando a mama através de extração manual ou elétrica, e dando oportunidades ao bebé de continuar a praticar a sucção à mama. Mais informação sobre métodos alternativos ao biberão, aqui: Alternativas ao biberão – Por que e como usar um suplementador?

Possíveis indicações para dar suplemento – BEBÉ

1) HIPOGLICEMIA

Pode ser necessário dar suplemento quando se está perante um bebé com hipoglicemia assintomática (baixa de açúcar no sangue sem sintomas), sendo que essa hipoglicemia seja documentada por análises laboratoriais de glucose e não responda ao aumento da frequência das mamadas. Ou seja, o método de medição de glicemia capilar (picada no dedo) não é válido para aferir hipoglicemia assintomática! Assim como não é válido iniciar suplemento sem que se procure, primeiro, resolver a hipoglicemia por uma amamentação mais eficiente.

Neste Protocolo recomenda-se que, nos casos em que o aumento das mamadas não resolva, se dê ao bebé 40% de dextrose em gel, aplicada no interior da bochecha do bebé, em vez de introduzir leite artificial. Este método para resolução da hipoglicemia capilar é eficaz no aumento dos níveis de glucose no sangue no cenário descrito e melhora as taxas de amamentação exclusiva após a alta, sem evidência de efeitos adversos. (19)

Em bebés sintomáticos, bebés com níveis inferiores a 25mg/dL nas primeiras 4 horas e bebés com níveis inferiores a 35 mg/dL após as 4 primeiras horas, recomenda-se que se trate com glucose intravenosa. A amamentação deve manter-se durante a terapia intravenosa.

Em nenhuma das situações o Protocolo recomenda que se inicie leite artificial e, muito menos, que se faça suplementação para prevenir hipoglicemia!

2) SINAIS/SINTOMAS DE INGESTÃO DE LEITE INSUFICIENTE

2.1) Pode ser necessário introduzir suplemento quando há evidência clínica ou laboratorial de desidratação significativa (por exemplo: níveis de sódio elevados, mamadas ineficientes, letargia, etc.), que não melhore com apoio efetivo e manejo adequado da amamentação. (20)

2.2) Em casos de perda de peso entre 8 e 10% (a partir do 5º dia de vida, não antes!) pode ser necessário introduzir suplemento.

Notas sobre a perda de peso:

  1. Apesar da perda de peso entre 8 e 10% poder estar dentro do limite normal, é indicação de que deve ser feita uma avaliação cuidada e avaliada a possível necessidade de apoio na amamentação. Uma perda de peso neste intervalo pode ser um indicador de inadequada transferência de leite ou baixa produção de leite, no entanto, uma avaliação completa é necessária antes de se indicar, automaticamente, que se inicie suplemento (9) (21) (22).

2.3) Ausência da primeira dejeção, menos de 4 dejeções ao 4º dia de vida, ou fezes escuras a partir do 5º dia pós-parto (22) (23) também podem ser indicadores de que é necessário suplementar.

Notas sobre as dejeções e micções:

  1. Os padrões de eliminação dos recém-nascidos devem ser monitorizados, pelo menos, até à subida do leite. Apesar de existir uma grande variação entre os bebés no padrão de eliminação, estes podem ser úteis para determinar quão adequada é a ingestão de leite. Os recém-nascidos com maior número de dejeções durante os primeiros 5 dias de vida perdem menos peso, apresentam fezes amarelas mais rapidamente e recuperam mais cedo o peso de nascimento. (24)

3) HIPERBILIRRUBINÉMIA, ou seja, ICTERÍCIA (ver Protocolo Clínico ABM #22: Guidelines para Manejo da Icterícia, 2017).

3.1) Pode ser necessário introduzir suplemento quando a icterícia do recém-nascido se associa à ingestão inadequada de leite materno – que não se resolva com intervenção apropriada na amamentação. Caracteristicamente, este quadro começa entre o 2º e o 5º dia e é marcado por perda de peso continuada, poucas dejeções e micções com cristais de uratos.

3.2) Perante icterícia do leite materno com níveis que atingem os 20-25 mg/dL, num bebé que não esteja bem, e em que um diagnóstico e/ou interrupção terapêutica da amamentação possa estar sob consideração, a primeira linha de diagnóstico deve incluir análises laboratoriais, em vez da interrupção da amamentação.

4) DISTÚRBIOS METABÓLICOS RAROS

Quando a suplementação com macronutrientes esteja indicada, por exemplo em casos de distúrbios metabólicos raros é necessário introduzir fórmulas especiais e, por vezes, suspender a amamentação.

Possíveis indicações para dar suplemento – MÃE

1) Pode ser necessário dar suplemento ao bebé quando há um atraso verdadeiro na subida do leite (apenas a partir do 3º a 5º dia pós-parto, e não antes!), sendo que esse ‘atraso’ se associa a ingestão desadequada de leite pelo bebé. (22)

2) Quando a mãe tem sinais/sintomas de tecido glandular insuficiente (esta condição ocorre em menos de 5% das mulheres), evidenciado por uma mama de formato anormal, pouco ou nenhum aumento da mama durante a gravidez, fracas indicações de que exista lactogénesis (“subida de leite”). (25) (26)

3) Patologia mamária ou cirurgia mamária que resulte em insuficiente produção de leite.

4) Impedimento de amamentar temporário devido a certos medicamentos (exemplo quimioterapia) ou separação temporária da mãe e bebé, quando a extração de leite materno não é possível. A compatibilidade entre medicação e amamentação pode ser consultada em www.e-lactancia.org.

5) Dor intolerável durante as mamadas e que não responda a intervenções.

FILIPA DOS SANTOS (CAM, AL, DOULA, FUNDADORA REDE AMAMENTA)

REFERÊNCIAS

(1) Kramer MS, Kakuma R. Optimal duration of exclusive breastfeeding. Cochrane Database of Systematic Reviews 2012, Issue 8. Art. No.: CD003517. DOI: 10.1002/14651858.CD003517.pub2.

(2) Dabritz HA, Hinton BG, Babb J. Maternal hospital experiences associated with breastfeeding at 6 months in a northern California county. J Hum Lact 2010;26:274–285.

(3) Perrine CG, Scanlon KS, Li R, et al. Baby-Friendly hospital practices and meeting exclusive breastfeeding intention. Pediatrics 2012;130:54–60

(4) Naveed M, Manjunath CS, Sreenivas V. An autopsy study of relationship between perinatal stomach capacity and birth weight. Indian J Gastroenterol 1992;11:156–158.

(5) Zangen S, Di Lorenzo C, Zangen T, et al. Rapid maturation of gastric relaxation in newborn infants. Pediatr Res 2001;50:629–632.

(6) Scammon R, Doyle L. Observations on the capacity of the stomach in the first ten days of postnatal life. Am J Dis Child 1920;20:516–538.

(7) Wight NE. Hypoglycemia in breastfed neonates. Breastfeed Med 2006;1:253–262.

(8) Wight N, Marinelli KA. ABM clinical protocol #1: Guidelines for blood glucose monitoring and treatment of hypoglycemia in term and late-preterm neonates, Revised 2014. Breastfeed Med 2014;9:173–179.

(9) Flaherman VJ, Schaefer EW, Kuzniewicz MW, et al. Early weight loss nomograms for exclusively breastfed newborns. Pediatrics 2015;135:e16–e23.

(10) Noel-Weiss J, Woodend A, Peterson W, et al. An observational study of associations among maternal fluids during parturition, neonatal output, and breastfed newborn weight loss. Int Breastfeed J 2011;6:9.

(11) Chantry C, Nommsen-Rivers L, Peerson J, et al. Excess weight loss in first-born breastfed newborns relates to maternal intrapartum fluid balance. Pediatrics 2011;127:171–179.

(12) Macdonald PD, Ross SR, Grant L, et al. Neonatal weight loss in breast and formula fed infants. Arch Dis Child 2003;88:F472–F476.

(13) Blyth R, Creedy DK, Dennis C-L, et al. Effect of maternal confidence on breastfeeding duration: An application of breastfeeding self-efficacy theory. Birth 2002;29:278–284

(14) Reif M, Essock-Vitale S. Hospital influences on early infant-feeding practices. Pediatrics 1985;76:872–879.

(15) Crowley WR. Neuroendocrine regulation of lactation and milk production. Evaluation 2015;5:255–291.

(16) Academy of Breastfeeding Medicine Protocol Committee. ABM Clinical Protocol #7: Model breastfeeding policy (Revision 2010). Breastfeed Med 2010;5:173–177.

(17) Hawke BA, Dennison BA, Hisgen S. Improving hospital breastfeeding policies in New York State: Development of the model hospital breastfeeding policy. Breastfeed Med 2013;8:3–7

(18) Howard CR, Howard FM, Lanphear B, et al. Randomized clinical trial of pacifier use and bottle-feeding or cupfeeding and their effect on breastfeeding. Pediatrics 2003;111:511–518.

(19) Weston P, Harris D, Battin M, et al. Oral dextrose gel for the treatment of hypoglycaemia in newborn infants. Cochrane Database Syst Rev 2016;CD011027. DOI: 10.1002/14651858.CD011027.pub2.

(20) Boskabadi H, Maamouri G, Ebrahimi M, et al. Neonatal hypernatremia and dehydration in infants receiving inadequate breastfeeding. Asia Pac J Clin Nutr 2010;19:301–307

(21) Grossman X, Chaudhuri JH, Feldman-Winter L, et al. Neonatal weight loss at a US Baby-Friendly Hospital. J Acad Nutr Diet 2012;112:410–413.

(22) Neifert MR. Prevention of breastfeeding tragedies. Pediatr Clin North Am 2001;48:273–297.

(23) Spangler A, Flory J, Wambach K, et al. Clinical Guidelines for the Establishment of Exclusive Breastfeeding: International Lactation Consultant Association; 2014.

(24) Shrago LC, Reifsnider E, Insel K. The Neonatal Bowel Output Study: Indicators of adequate breast milk intake in neonates. Pediatr Nurs 2006;32:195–201.

(25) Neifert MR, DeMarzo S, eacat JM, et al. The influence of breast surgery, breast appearance, and pregnancy-induced breast changes on lactation sufficiency as measured by infant weight gain. Birth 1990;17:31–38.

(26) Huggins K, Petok E, Mireles O. Markers of lactation insufficiency: A study of 34 mothers. In: Current Issues in Clinical Lactation, Auerbach K, ed. Sudbury: Jones & Bartlett, 2000, pp. 27–35.

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