Carta aberta aos pseudo-apoiantes da amamentação, que só estão dispostos a apoiar as mães quando tudo corre bem.
Ao longo destes três anos na Amamenta Porto, já tive oportunidade de conhecer cerca de 200 mães e bebés – a grande maioria com dificuldades na amamentação, mas com muita vontade de descobrir qual a origem do problema e ultrapassa-lo tanto quanto possível. Muitas delas viram a sua vontade de resolver a dificuldade diminuída, desconsiderada e até humilhada ao pedir ajuda a outros profissionais – algumas de onde menos esperariam, inclusive de ‘linhas de apoio à amamentação’. “Desista, não faça disso um cavalo de batalha” – recordo-me das palavras de uma mãe sobre o apoio que procurou.
O que os pseudo-apoiantes da amamentação não entendem é que muitas mães querem amamentar, mesmo quando tudo parece estar a correr muito mal e o stress, a ansiedade, a dúvida, o desconsolo, suplantam o prazer que se ditou que deveria ser amamentar.
Não precisam de alguém que lhes diga que têm de desistir, que o melhor é estarem bem e o bebé também – isso já elas sabem e é por isso que procuram ajuda. O que as mães e bebés com dificuldades na amamentação precisam e querem ouvir é uma explicação! O motivo ou motivos para as dificuldades, para a dúvida, para a tristeza, para o stress que possam estar a sentir. E como resolver aquela dificuldade!
Senhores e senhoras que querem que a amamentação seja apenas alegria… Lamento, a vida não são sorrisos sempre e essa imposição de desmamar um bebé para que a harmonia volte pode ser uma grande ilusão. Uma mãe não precisa que lhe digam o que tem de fazer. Precisa de ser ouvida e acolhida. O que precisa e deve fazer é a ela que pertence decidir – é um direito que lhe assiste e deve ser respeitado. Quem apoia – de facto – aceita o que a pessoa sente e procura perceber o que realmente deseja. Se tiver treino e formação, pode orientar no sentido de resolver o problema, se não tem, admite esse facto e encaminha devidamente.
Todos queremos que a amamentação seja feliz – todos queremos que tudo seja feliz! Queremos que a maternidade seja sempre cor-de-rosa, que as gravidezes sejam santas, que os partos sejam todos perfeitos, que os bebés durmam a noite toda, que mamem só quando devem – sim, quando devem… Podem mamar quando quiserem, mas esperemos que seja só quando devem – não quando eles realmente querem e precisam. E a lista continuaria interminavelmente num paraíso idealista.
Permitamos que cada Mãe e cada Família defina a sua própria felicidade e que a encontre onde e como quiser!
Provavelmente, a maior lição que a vida nos dá acerca de Ser Mãe e Ser Pai é que nada é perfeito e está muito longe de o ser. Não só não é perfeito como é muito pouco controlável. A maternidade, a paternidade, é aprender a ceder o controlo de tudo, a aceitar o imprevisível. E a amamentação passa muito por essa cedência, esse compromisso.
Não estamos habituados a não controlar sempre tudo e que o imprevisto seja uma constante, por isso, muitas das dúvidas, falta de confiança e dificuldades na amamentação, vêm desta dificuldade de aceitar o ‘descontrolo’.
Voltando à questão da amamentação e aos relógios. É muito comum que os pseudo-apoiantes da amamentação recomendem que as mães se ‘esqueçam dos relógios’, que os ‘arrumem’, que ‘não olhem para eles’, mas…. Cautela! Amamentação sem regras rígidas q.b. – muito q.b! Nem pensar em seguir indicações antigas e infundadas em evidência científica como ‘amamentar a cada 3 horas’, no entanto, nem pensar, também, em amamentar ao fim de menos de 2 horas, 1 hora, 2 horas e meia… Há de tudo.
Pergunto: qual a evidência científica para recomendar que as mães amamentem neste registo de pseudo-livre-demanda?
As mamas não são chupetas. ‘Nem pense em deixar que o seu bebé faça da mama chupeta’ – dizem os pseudo-apoiantes. Pois não, as mamas não são chupetas, sem dúvida que não. As chupetas é que são falsas mamas.
Por isso, Mães, dos pseudo-apoiantes da amamentação o que irão ouvir é o seguinte: ‘Os bebés devem mamar quando têm fome e os sinais de fome devem ser respeitados… Mas… Atenção! Respeitem-se os intervalos mínimos e os máximos’. Já dizia o pediatra espanhol Carlos González que passámos de um regime rígido a cada 3 ou 4 horas para um regíme pseudo-flexível.
E quanto ao choro dos bebés? ‘Não é sempre fome, por isso, mais uma vez, Mães, não se enganem! Não apresentem a mama ao vosso bebé sem ter a certeza de que é MESMO fome.’ Fome de mãe, fome de contacto, fome de tranquilidade para dormir, fome de calor humano… Essas ‘fomes’ não contam.
As mães, aos olhos dos pseudo-apoiantes, têm de distinguir as diferentes ‘fomes’ dos seus filhos porque as mamas – que são delas! – só servem para um tipo de ‘fome’ – dizem eles!
Na Amamenta Porto e na Rede Amamenta apoiamos as Mães, os Pais e os Bebés – seja na amamentação ou no que eles quiserem e como quiserem.
Filipa dos Santos – Assessora de Lactação, Conselheira em Aleitamento Materno OMS/UNICEF, Doula.
Fotografia Renata Truyts.