Não basta recomendar a amamentação, são precisas medidas que fomentem uma maior consciência sobre a fisiologia da amamentação, e da sua importância na saúde e bem estar socioeconómico das famílias e sociedade.
Recomendar às grávidas e recém-mães que amamentem exclusivamente pelos primeiros 6 meses de vida do bebé não é suficiente.
Assim como não é suficiente dizer-lhes que esta é a melhor opção por motivos de saúde da criança… Todo aquele discurso, já mais do que badalado, de que o leite materno contém anticorpos, e que, por isso, favorece imunologicamente o bebé. Discurso, esse, que se baseia em evidência científica clara, mas que é claramente insuficiente.
Saber isto não chega para uma mãe amamentar com sucesso. Na verdade, é completamente inútil quando, por exemplo ao 2º dia de vida, o bebé chora incessantemente durante a noite e um(a) enfermeiro(a), bem intencionado(a), sugere oferecer suplemento porque o recém-nascido deve ter fome. Ou quando, às 2 semanas de vida, faltam algumas gramas para recuperar o peso de nascimento e os pais são aconselhados a suplementar a amamentação pelo pediatra; ou quando, por exemplo com 1 mês, o bebé passa pela necessidade fisiológica e perfeitamente normal de pedir para mamar mais frequentemente e algum familiar ou amigo dos pais sugere que o leite da mãe pode não ser suficiente.
E poderíamos continuar a elencar N situações em que se sugere que a amamentação não chega para aquele bebé e os pais são aconselhados a introduzir outro leite, com mais ou menos sustentação, mais ou menos necessidade absoluta de o fazer. São, de facto, muitas, e todas elas com um potencial de levar a um desmame precoce elevadíssimo.
Pelo que fica claro que combater a introdução de suplementos de outros leites na alimentação de um bebé, especialmente menor de 6 meses, deveria ser, por isso, a prioridade número um de uma política de proteção da amamentação em Portugal.
A introdução de fórmulas infantis, sugerindo que o leite materno não é suficiente, prejudica a confiança da mãe na sua capacidade de alimentar o seu filho. Sabe-se, por exemplo, que a oferta de suplemento na maternidade aumenta consideravelmente o risco da sua manutenção em casa ou de re-introdução posterior.
Não chega, portanto, saber que se deve amamentar exclusivamente pelos primeiros 6 meses, e que esta é uma recomendação endereçada pela própria OMS, ESPGHAN, DGS, Sociedade Portuguesa de Pediatria, e demais organismos internacionais ligados à alimentação e saúde infantil.
É preciso implementar medidas concretas de educação à população sobre a fisiologia da amamentação – o que é normal em termos de aleitamento materno; o que é esperado em termos de comportamento de um bebé amamentado e padrão de crescimento!
E é preciso implementar medidas para disponibilizar mais e melhor formação aos profissionais que trabalham diretamente com mães, pais e bebés – tendo por base protocolos claros e baseados em evidência científica de suporte às dificuldades que surgem frequentemente na amamentação.
Posto isto, sugerem-se algumas medidas que visam fomentar uma maior consciência sobre a fisiologia da amamentação, e da sua importância na saúde e bem estar socioeconómico das famílias e sociedade em geral – uma vez que a amamentação é o padrão ouro e a custo, praticamente, zero!
– Formação obrigatória para todos os profissionais que trabalham diretamente com mães e bebés.
É urgente melhorar a oferta formativa sobre aleitamento materno em Portugal, nomeadamente: atualizar a formação de Aconselhamento em Aleitamento Materno segundo as orientações da OMS; criar formação de nível superior (como pós-graduações) relacionadas com o tema; garantir que a formação disponível é, de facto, a mais correta cientificamente (à luz do conhecimento atual).
– Implementar o conceito de amamentação baseada na evidência nas escolas de saúde e instituições de saúde que prestam cuidados materno-infantis.
Criar um organismo dedicado ao estudo e investigação da amamentação em Portugal e que, de forma concertada com a DGS, possa emitir normativas e protocolos de atuação clínicos relacionados com a amamentação, à semelhança do que já existe noutros países (como por exemplo a Academy of Breastfeeding Medicine).
– Investir nos cuidados de amamentação prestados nas maternidades, centros de saúde e hospitais.
A amamentação deveria ser vista como um cuidado de saúde essencial. A existência de um profissional treinado e formado, por turno, exclusivamente dedicado a prestar cuidados ligados à amamentação, poderia reduzir imensos custos para as famílias e Estado, pelo facto de existir um apoio adequado e direcionado somente ao manejo de dificuldades que as mães e bebés possam sentir.
– Controlar a oferta indiscriminada de leite artificial nos hospitais públicos, privados e centros de saúde.
Tomar medidas para que haja um respeito efetivo, por parte dos profissionais de saúde, da lei do Consentimento Informado no que respeita ao aleitamento materno / artificial. Os pais devem ser informados dos riscos vs benefícios de introduzir suplementos e deve-lhes ser dada opção de escolha, tal como recomendam a evidência científica e protocolos internacionais de manejo da lactação.
– Incluir os leites nº 2 (6-12 meses) na legislação que proíbe a sua promoção junto das famílias e profissionais, de forma a adotar mais amplamente o Código Internacional de Marketing de Substitutos do Leite Materno (OMS, 1981) e não somente os leites nº 1, como acontece atualmente.
– Promover uma boa educação parental e perinatal, bem como da sociedade em geral, sobre a fisiologia da amamentação.
Melhorar os programas de preparação para o nascimento – atualizá-los e uniformiza-los, em termos de recomendações sobre aleitamento materno. Promover a educação para a amamentação, como parte do ciclo reprodutivo do ser humano, desde o ensino básico.
– Melhorar as condições para que as mães trabalhadoras possam continuar a amamentar após o regresso ao trabalho, especialmente porque este ocorre, frequentemente, antes dos 6 meses de vida da criança.
Promover a criação de espaços para extrair e guardar leite nos locais de trabalho e o direito a pausas para extração de leite ao longo do dia, não só para que a produção de leite se possa manter, mas também para evitar problemas de saúde imediatos à mãe lactante e trabalhadora (que advêm da falta de higiene na extração e/ou falta de remoção adequada do leite).
Ana Filipa Antunes é licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa (FCSH). Consultora Parental e Conselheira em Aleitamento Materno. Formadora. Fundadora da Rede Amamenta®️.
Referências
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