Suplementação com ferro… Vamos tentar esclarecer?

As recomendações oficiais, de manter o aleitamento materno exclusivo até aos 6 meses, estabeleceram-se com base em estudos devidamente conduzidos, que permitiram concluir que, até essa altura, os bebés não necessitam de nada mais a não ser leite materno.

Após esse período, e manifestando o bebé interesse em novos alimentos, deve iniciar-se a alimentação complementar (privilegiando sempre o leite materno como fonte nutricional principal, pelo menos até ao primeiro ano de vida). Com a introdução de novos alimentos, é muito importante providenciar uma dieta equilibrada, variada, que inclua alimentos de todos os grupos nutricionais para se evitarem carências. De facto, o ferro presente nos alimentos (ex.: carnes brancas, batata doce, vegetais de folha verde escura, feijão, gema de ovo, peixe gordo, etc.) está mais biodisponível, pelo que é melhor absorvido no trato intestinal do bebé.

O próprio leite materno contém ferro numa quantidade que, não sendo muito elevada, é compensada pela elevada absorção (entre 50% a 70%), pois a própria constituição do leite materno ajuda na sua biodisponibilidade (por exemplo, contém níveis elevados de lactose, vitamina C e proteínas transportadoras específicas para o ferro). Por esta razão, não é verdade que se deva evitar dar de mamar durante as refeições!

Deve dar-se leite materno antes, durante ou depois das refeições porque, efetivamente, o leite materno AJUDA na absorção do ferro. Os profissionais de saúde usam como referencial o leite de vaca, ou de outras espécies animais, e estes sim, comprometem uma adequada absorção do ferro, pois a sua constituição NÃO é a apropriada para um bebé humano!

A suplementação com ferro por rotina, indicada profilaticamente, não deve ser uma prática comum.

Na verdade, a anemia é muito pouco frequente e está mais associada a situações específicas, como a prematuridade, o baixo peso ao nascer, mães com diabetes gestacional mal controlada, etc. Os bebés saudáveis, de termo (principalmente se o parto iniciou espontaneamente), em especial os que beneficiaram do clampeamento tardio do cordão umbilical, terão até aos 6 meses as reservas de ferro necessárias.

Portanto, e mesmo após a introdução da alimentação complementar, o suplemento de ferro deve estar reservado para as situações clínicas que assim o justifiquem, baseadas em evidência, ou seja, avaliando sinais do bebé indicadores de anemia e validando essas observações com dados laboratoriais sustentados por análises ao sangue. Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN), e outras entidades internacionais, mantêm esta diretiva.

A indicação de suplemento de ferro profilaticamente, no sentido de evitar anemias, está reservada para determinadas sociedades, onde foram efetuados estudos de rastreio alargados à população e constatou-se que a grande maioria dos bebés manifestava carências a este nível (por exemplo, sociedades onde o acompanhamento pré-natal é inexistente ou deficitário, onde determinadas patologias são altamente prevalentes, como a malária, etc.). Ainda assim, alguns estudos importantes questionam a eficácia do suplemento de ferro para resolver estas situações, pois existem parâmetros na administração de suplemento de ferro que ainda não reuniram consenso.

Importa ainda referir que o excesso de ferro pode ter consequências graves na saúde do bebé.

O excesso de ferro torna-o disponível para a proliferação de agentes bacterianos que dele dependem para a sua sobrevivência (por exemplo, Salmonella, Clostridium, E. coli, Staphylococcus, etc.) e que podem originar doenças. Além do mais, o excesso de ferro pode ter o efeito oposto ao pretendido, levando a atrasos no crescimento, a problemas hepáticos graves e pode interferir com a absorção de zinco. Acrescem os efeitos secundários que podem ser bastante desconfortáveis para o bebé, como: diarreia, obstipação, náuseas e vómitos, fezes e urina mais escuros, entre outros.

Outra questão que, por vezes, gera confusão, mesmo entre profissionais de saúde, é suplementar a mulher que amamenta com ferro, por forma a “prevenir” a anemia nos bebés. Esta prática é ineficaz, pois o organismo da mulher está concebido para que apenas passe uma determinada concentração de ferro para o leite materno (precisamente para prevenir excessos!), logo não ajuda nada nesse sentido. No caso da mulher ter anemia comprovada clinicamente, o seu organismo tendencialmente tenta garantir que o seu leite tem o aporte necessário de ferro para o bebé (e, nesse caso, obviamente a mãe deve ser tratada para não sofrer os efeitos da anemia).

Em suma, atualmente, as recomendações vão no sentido de não suplementar os bebés com ferro “profilaticamente”. Nos casos excecionais, em que está, efetivamente, confirmada a necessidade de suplementar com ferro, este pode ser administrado com recurso a uma colher, seringa, misturado com o leite materno, conforme o bebé aceite melhor.

De reforçar, porque nunca é demais, que o leite materno AJUDA na absorção do ferro, quer o proveniente do próprio leite da mãe, como o preveniente da alimentação ou do suplemento. Portanto, pode e deve amamentar, SEMPRE!

AUTORA: Ana Rocha – Farmacêutica, Investigadora em Neurociências, Psicóloga

Referências

http://www.rpmgf.pt/ojs/index.php/rpmgf/article/viewFile/10765/10501

https://mafiadoc.com/iron-requirements-of-infants-and-toddlers-espghan_5979596d1723dd92e820d4d9.html

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2528681/

http://www.who.int/nutrition/publications/micronutrients/guidelines/daily_iron_supp_childrens/en/

http://jn.nutrition.org/content/132/11/3249.long

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11339160?dopt=Abstract

https://www.healthline.com/health/parenting/iron-supplements-for-kids#8

https://kellymom.com/nutrition/vitamins/iron/

http://jn.nutrition.org/content/130/2/358S.abstract

https://www.babycenter.com/404_does-my-baby-need-an-iron-supplement_1334529.bc

https://maternasp.wordpress.com/2008/10/21/o-ferro-e-a-anemia-em-bebes/

http://pediatrics.aappublications.org/content/pediatrics/early/2010/10/05/peds.2010-2576.full.pdf

8 thoughts on “Suplementação com ferro… Vamos tentar esclarecer?

  1. Barbara Pereira says:

    Boa noite, tenho uma bebé que é prematura (34 semanas). Desde que teve alta da Neo, toma ferro. Tem agora 4 meses e 10 dias. Questionei se devia continuar com o ferro e disseram me que com a AC aos seis meses deixa de ter o aporte de ferro necessário. Está a Lm em ld, podem dizer-me se todos os prematuros têm que tomar ferro, mesmo sem analises, só porque sim.
    Obrigada pela ajuda

    • Ana Filipa Antunes says:

      Olá Bárbara,

      A suplementação com ferro, por rotina, não está recomendada. Mas o seu bebé insere-se num grupo de risco para anemia, que são os bebés prematuros. Estes bebés podem ter de fazer ferro profilaticamente desde o nascimento ou apenas mais tarde.

      Além da prematuridade, o baixo peso ao nascer, diabetes gestacional mal controlada, pré-eclâmpsia… também são situações que implicam um maior risco de desenvolvimento de anemia infantil.

      Pode optar por conversar com o médico assistente sobre a possibilidade de reforçar a ingestão de ferro pelos alimentos, e pode também pedir análises para saber quais os valores do seu bebé.

      Partilhamos consigo um estudo de controlo randomizado que comparou a profilaxia de ferro precoce VS tardia em bebés pré-termo: https://fn.bmj.com/content/99/2/F105.short

      Também partilhamos um documento, dos Consensos em Neonatologia da Sociedade Portuguesa de Pediatria, em que a questão da suplementação com ferro em prematuros é abordada: http://www.spp.pt/UserFiles/File/Consensos_Nacionais_Neonatologia_2004/Alimentacao_Recem-Nascido_Vitaminas_Minerais.pdf

      Um beijinho, que tudo vos corra bem ?

  2. Lara Castro says:

    Olá,
    O artigo refere que o leite de vaca impede a absorção do ferro presente nos alimentos. Tenho uma bebé de 4 meses, alimentada a leite materno e suplemento, com proteína de leite de vaca, desde a nascença. Será que o suplemento está a impedir a absorção do ferro existente no leite materno?
    Obrigada

  3. Marina says:

    Boa noite,

    Tenho uma bebé de quase 6 meses que vai iniciar a AC. A médica reforçou que quando introduzir a carne ou peixe na sopa, não poderia dar LM depois, podia prejudicar a absorção de ferro… E não sei mesmo o que fazer. Estava a pensar complementar a sopa com LM depois, primeiros dias da introdução da carne ou peixe sei que pode complicado…mas não a quero prejudicar 🙁 Obrigado

    • Ana Filipa Antunes says:

      Olá Marina,

      Amamentar o seu bebé antes e depois das refeições pode e deve fazê-lo, pelo que ofereça sempre e se o bebé quiser tanto melhor.
      Até ao ano de idade, o principal alimento do bebé é o leite, sendo que de preferência o leite materno. A Alimentação, como o nome indica, é complementar. Complementa a alimentação principal. O ferro torna-se mais biodisponível no leite materno pela forma como é recebido pelo bebé.

      Pode seguir a recomendação da pediatra de iniciar a introdução da sopa numa das refeições do dia oferecendo sempre a maminha.

      Quanto à alimentação, permita-me que lhe sugira uma masterclass que pode ver como quando e onde quiser e vai aprender muito a forma de oferecer os alimentos pelo método de blw.

      Recomendo a inscrição neste link: https://porto.amamenta.net/agenda/masterclass-alimentacao-complementar/

      Se estiver numa situação de regresso ao trabalho recomendo a masterclass que a vai ajudar a orientar esse regresso com tranquilidade, saiba mais aqui: https://porto.amamenta.net/agenda/masterclass-regresso-ao-trabalho/

      Espero que os meus conselhos tenha sido úteis.??

      Um beijinho e até breve!

  4. Geovana de de souza says:

    Olá tenho bebê de 1 ano e foi na pediatra com ela e o exame de sangue deu que ferro esta baixo ,a médica disse que ela esta com anemia que para eu tirar o peito um pouco e não dar o peito depois das refeições. Minha bebê e muita apegada no tete da muita dó tirar assim ,fico sem saber o que fazer pq ela comi muito pouco.

    • Ana Filipa Antunes says:

      Olá Geovana, ?
      O ferro presente no leite materno tem um nível de absorção elevado pelo organismo do bebé (biodisponibilidade alta).
      Num bebé da idade inferior a 6 meses e com alimentação em exclusiva com leite materno, o organismo está essencialmente a depender das próprias reservas de ferro.
      Os bebés saudáveis, de termo, terão até aos 6 meses as reservas de ferro necessárias.
      Se o seu bebé estivesse a tomar leite artificial, independentemente deste leite ser mais ou menos enriquecido com ferro, este pode interferir com a absorção do ferro. Com o leite materno isso não acontece devido às propriedades do LM que ajudam na absorção de ferro proveniente de outros alimentos.

      Recomendamos que continue a amamentar o seu bebé antes e depois das refeições.

      Embora a suplementação com ferro por rotina não deva ser uma prática comum, no caso do seu bebé ter realizado análises e ter sido detetada anemia, deve seguir as orientações médicas.
      Não sei o historial do seu bebé. Sabemos que é muito pouco frequente haver anemia em bebés de termo, estando mais associada a situações específicas, como a prematuridade, o baixo peso ao nascer, mães com diabetes gestacional mal controlada, etc. Pode ter sido por isso que a médica recomendou fazer análises.

      Se a sua bebé tem dificuldade na alimentação complementar talvez seja aconselhável oferecer os alimentos de modo a despertar interesse.
      Recomendo uma masterclass que poderá vir a ajudá-la a ultrapassar esta dificuldade: https://porto.amamenta.net/agenda/masterclass-alimentacao-complementar/

      Espero ter ajudado.?

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