Motivos comuns que contribuem para uma produção de leite insuficiente?

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Artigo da Filipa dos Santos, originalmente publicado no Blog a 8.

Depois da descida/subida do leite (como preferir chamar-lhe), por volta do 3º a 5º dia pós-parto, a produção de leite responde à procura. Significa que é controlada, sobretudo, a nível local, dentro da própria mama, pelo próprio leite. Sim, é o leite que está a produzir agora que está a dizer ao seu organismo qual a velocidade de produção, e quanto mais tempo aí ficar, mais lentamente será produzido!

Como é que isso funciona?

O leite materno contém uma proteína, conhecida como fator inibidor da lactação, que acumula dentro da mama conforme esta vai armazenando leite entre mamadas/extrações. Quanto mais tempo passar e mais cheia sentir a mama, mais lenta começará a ser a produção de leite.

A capacidade de produzir leite não varia muito de mulher para mulher. Todas as mulheres saudáveis e com desenvolvimento normal da glândula mamária têm uma capacidade produtora semelhante. O que varia é a capacidade de armazenamento. Há mulheres que podem ficar mais tempo sem amamentar sem que o fator inibidor tenha um efeito tão significativo. Normalmente são aquelas mulheres que podem saltar uma mamada sem sentir grande desconforto. Se, pelo contrário, o seu bebé não pode nem prolongar um pouco mais do que habitual o intervalo de uma mamada e sente-se a abarrotar de leite, provavelmente tem uma capacidade de armazenamento menor e, por isso, o fator inibidor é importantíssimo para garantir que não continua a produzir leite de forma desproporcional – o que seria bastante prejudicial para a sua saúde.

Produzir leite demais (também pode ser um problema) não é saudável; apesar de todas as mulheres gostarem de sentir a mama cheia de leite! Vá, temos de confessar isso… Dá-nos satisfação sentir que aquilo está ali cheio de leite para a criança mamar – e para dar e vender a seguir. Mas para produzir mais leite o segredo é simples: uma mama mole, muito mole, por ser solicitada frequentemente.

E “ficar sem leite” ou não produzir o suficiente para o bebé ficar satisfeito, é possível? Sim! Precisamente devido ao simples e normal funcionamento do seu organismo. Há várias causas possíveis que levam o fator inibidor a atuar, mesmo havendo necessidade de mais leite da parte do bebé. Isso pode ocorrer em qualquer fase da amamentação e em mulheres saudáveis, com uma capacidade produtora normalíssima. Se nada for feito para corrigir a fonte desse problema, a amamentação tem os dias contados. O leite da mãe não acaba; vai acabando – se não houver estimulação adequada.

Que causas são essas? (Normalmente juntam-se várias em simultâneo e a regra é simples: Tudo o que leva o bebé a obter menos leite do que precisa, acaba por levar a mãe a produzir menos leite).

1- Poucas mamadas. Ou antes: um número de mamadas insuficiente para aquilo que é a necessidade do bebé.

a) falta ou pouca livre-demanda: o bebé não vai à mama logo que pede/mostra sinais de início de alimentação (em recém-nascidos: levar as mãos à boca, virar-se de um lado para outro, pôr a língua de fora, movimentos tipo pica-pau no colo); alguém disse à mãe que o bebé só deve mamar de X em X horas ou que não pode mamar antes de Y horas nem mais do que determinados minutos.

b) interferência de tetinas: necessidades de sucção satisfeitas através de uma chupeta porque o bebé “ainda não pode ter fome” ou porque alguém disse à mãe que o bebé “não pode fazer da mama chucha”.

c) líquidos não-nutritivos: água ou chá, normalmente, que enchem um estômago pequeno e induzem uma falsa sensação de saciedade, fazendo com que o bebé mame menos vezes e menor quantidade. Embora haja muita oferta no mercado: NÃO EXISTE nenhum chá que seja apropriado – e muito menos indicado – para um bebé menor de 6 meses, especialmente um bebé amamentado. Os bebés alimentam-se de leite, não de chá.

d) separação mãe-bebé: que pode acontecer por diversos motivos, nomeadamente após o parto (mais comum em caso de cesariana); internamento do bebé ou da mãe; regresso ao trabalho ou mesmo por opção da mãe/estilo de vida. Naturalmente, há situações que não são evitáveis, mas é possível salvaguardar a produção de leite com estímulo adequado de um extrator. Se a mãe e o bebé não podem estar juntos, é necessário extrair leite frequentemente – quanto mais novo for o bebé, maior a frequência aconselhada de extração (consulte uma CAM para saber o que seria adequado no seu caso). Sempre que possível, quando sair, opte por levar o bebé consigo para o poder amamentar em livre-demanda. Transportá-lo num pano ou sling, nessas situações, é muito facilitador.

e) suplemento de leite materno ou leite artificial: este é o fator que mais rapidamente conduz a um decréscimo significativo da produção de leite da mãe e a um desmame precoce do bebé, especialmente quando se trata de leite artificial ou leite materno extraído não-recente (i.e., leite que retirou há semanas e guardou no congelador). Cada biberão de suplemento que o bebé toma é menos leite que é produzido, mesmo que este seja dado depois e só depois da mamada, pelo simples facto que o bebé irá mamar com menor frequência e menor quantidade. Normalmente, a necessidade do suplemento aparece em consequência de um dos fatores anteriores ou de alguns que irei explicar a seguir. Ou pode surgir por alguma insegurança/falta de confiança no processo de amamentação. Sempre que for aconselhada a introduzir suplemento, coloque estas questões.

2- Sucção pouco eficaz. Significa que o bebé retira pouco leite a cada sucção, cansando-se mais, demorando mais tempo, despendendo mais energia, normalmente apresentando sinais de fome após a mamada. Costuma dizer-se que “o bebé é preguiçoso a mamar” para descrever um recém-nascido nestas circunstâncias, o que não podia estar mais longe da verdade.

a) mamilos de silicone: são uma barreira entre a mama e a boca do bebé, pelo que diminuem o estímulo sobre a mama; interferem com a pega – na maior parte dos casos são utilizados incorretamente, o que aumenta a probabilidade do bebé não obter leite suficiente. Naturalmente, há mulheres mais sensíveis do que outras a este défice no estímulo, pelo que o seu impacto é muito variável.

b) interferência de tetinas: nomeadamente biberão – pela dinâmica de sucção totalmente diferente, que costuma levar a alguma (ou muita) confusão na alternância com a mama. Está estudado que os músculos que o bebé utiliza para mamar na mama e tomar o leite no biberão são diferentes e a coordenação do processo também é muito diferente. Ou seja, utilizar um biberão, especialmente num bebé de poucas semanas, atrasa a aprendizagem e o domínio da competência para a sucção, diminuindo a sua eficácia e levando a que mame menos e precise de cada vez mais suplemento.

c)  freio da língua ou lábio curto: o primeiro é muito mais limitador do que o segundo, por norma, pois é a língua o principal interveniente na sucção e na pega. Existem vários tipos de freio curto e, infelizmente, muitos profissionais recusam-se a tratar bebés com esta condição com claro efeito negativo na amamentação. Muitos não sabem como avaliar se o freio impossibilita os movimentos da língua necessários para a sucção eficaz e confortável. (Informação exaustiva e de qualidade sobre este assunto: Dr Ghaheri.)

d) posicionamento: o modelo que temos de alimentação de um bebé é, maioritariamente, o aleitamento artificial. Tentamos reproduzir a amamentação como o aleitamento a biberão, em termos de posicionamento da mãe e do bebé, e os resultados podem ser muito pouco agradáveis para ambos. Já escrevi sobre isso, aqui.

Existem ainda outras condições musculo-esqueléticas, desordens a nível neurológico e várias patologias que levam a uma sucção ineficaz, as quais não irei aprofundar aqui.

Nota: este artigo é apenas uma apresentação sumária das causas mais comuns para uma produção insuficiente de leite em mulheres perfeitamente saudáveis, com capacidade produtora normal (hipogalactia secundária). Existem outras que não foram mencionadas e existem, ainda, as causas para hipogalactia primária, em que a capacidade produtora da mãe está comprometida por alguma condição patológica – muito menos frequente. Se tiver alguma ou outra preocupação relacionada com o que foi descrito, contacte uma conselheira de aleitamento materno (CAM) da sua zona.  Se não sabe quem contactar, clique aqui.

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