A história da Filipa dos Santos

À minha volta sempre houve imensos bebés, fruto da profissão da minha mãe. Lembro-me de ver alguns bebés a mamar nessas ocasiões. Quando o meu irmão mais novo nasceu, a minha mãe amamentou-o e eu recordo-me de ver isso. Eu própria fui amamentada até por volta do ano de idade. A amamentação sempre foi normal no meu meio familiar, por isso foi algo desejado e idealizado ao longo de toda a gravidez da minha primeira filha, como parte do pacote “ser mãe”.

Procurei informação, li bastante sobre o assunto, encontrei alguns contactos de quem me poderia ajudar (conselheiras de aleitamento materno) caso fosse preciso, fiz aulas de preparação para o parto com uma enfermeira parteira espetacular, e que, sem dúvida, foram aquilo que eu precisava e que iam de encontro à minha filosofia de nascimento e maternidade.

Não receei nem duvidei da minha capacidade mamífera de produzir leite para a cria, não pus em causa se “irita ter leite”; não comprei biberões nem mamilos de silicone e outros objetos desse tipo – embora tenha feito as minhas pesquisas de mercado “para o caso de ser preciso”. O marketing é poderoso. Achamos sempre que precisamos de “ter” alguma coisa extra – como se as mamas não fossem suficientes.

A gravidez culminou num parto espontâneo maravilhoso, com a assistência de profissionais muito humanos, num hospital que acabara de receber a certificação da UNICEF Iniciativa Hospital Amigo dos Bebés, e que, por isso, tinha as práticas de apoio ao aleitamento materno muito bem implementadas e “frescas” na memória dos profissionais de saúde do bloco de partos e do puerpério.

A minha filha foi colocada em contacto pele-a-pele por cerca de uma hora ou mais após nascer, mamou quando quis e, como todos os recém-nascidos a quem dão oportunidade, revelou que trazia consigo tudo o que é preciso para iniciar a amamentação. A posição em que nos encontrávamos não era, no entanto, a mais favorável, e a dor na amamentação começou logo aí. E ficou.

Nas primeiras semanas, amamentar era um sacrifício enorme, uma dor lacinante. Pensar na próxima mamada era o suficiente para me deixar ansiosa – tanto que cheguei a comentar com o meu marido que o melhor seria dar suplemento.

Felizmente pedi ajuda cedo e ter esse apoio foi fundamental para reforçar a minha confiança e, apesar das dificuldades, manter o foco no meu objetivo. Assim como foi de extrema importância ter o apoio do meu marido; se ele tivesse sugerido ou incentivado outras alternativas à amamentação, sem dúvida que, naquela altura, com aquela fragilidade própria do pós-parto, eu teria seguido outro caminho e, muito provavelmente, a Amamenta Porto não existiria

A dor foi atenuando ao longo dos dias; a minha filha estava, sem dúvida, a obter todo o leite que precisava para crescer normalmente; e eu fui-me entregando aos novos desafios da maternidade e compreendi que para correr bem eu só precisava estar totalmente disponível. Entregar-me.

O ponto de viragem terá sido algures quando ela teria duas semanas e eu compreendi, por algumas leituras que fiz, que tudo nos nossos dias correria muito melhor se eu amamentasse sempre que ela pedisse – sem questionar se teriam passado 10 minutos ou 1 hora. Não é que eu estivesse a tentar seguir um horário de amamentação ou algo do género, pois tinha consciência de que deveria amamentar em livre-demanda. No entanto, oferecer a mama ao primeiro sinal de desconforto, sem questionamentos, sem dúvidas, sem hesitações, tornou tudo muito mais simples.

Foi amamentada até aos dois anos.

Durante esse período tive oportunidade de aprender muito sobre a amamentação. Li e aprendi o máximo que pude sobre o assunto. Comecei a apoiar outras mães de forma informal através da Internet, em fóruns online ou no Facebook e continuei a aprender com as experiências dessas e outras mães.

Quando o meu segundo filho nasceu, em Abril de 2014, a amamentação já não era novidade nenhuma e estávamos, em tudo, preparados para o receber de outra forma – com muito mais segurança e certezas sobre as opções que iriamos tomar. O caminho estava traçado. O co-sleeping (dormirmos juntos), o babywearing (carregá-lo num pano), o contacto pele-a-pele constante, a amamentação sem precalços… Tudo estava planeado e dado como certo. Só podia correr bem. Poderiamos viver as primeiras semanas de vida do M. com descontração e tranquilidade. Aproveitar ao máximo cada segundo que, já sabia, passa TÃO depressa

No entanto, aconteceu “a vida” – cheia de imprevistos e imprevisíveis, e os sonhos de um pós-parto fantástico, em modo “lua de leite”, desmoronaram-se com a notícia, às 24 horas de vida, de que o M. teria de ser internado nos cuidados intensivos neonatais por suspeita de sepsis neonatal – que, entretanto, se confirmou. Teria de tomar antibióticos durante, pelo menos, sete dias e ficar monitorizado constantemente…

Afinal os bebés que nascem bem, saudáveis, de termo, também vão para incubadoras. Foi um choque quando o vimos dentro da “caixa” pela primeira vez, cheio de fios e cateteres.
Começou, nessa altura, a luta por extrair algumas gotas do precioso colostro, para o alimentar assim que fosse possível retirar o soro de alimentação. Felizmente tinhamos tido as preciosas primeiras 24 horas para estabelecer a amamentação, e tinhamos uma história de amamentação bem sucedida e todo um background de amigas conselheiras de amamentação que nos apoiavam à distância de um telefonema, por isso rapidamente conseguimos voltar à amamentação em livre-demanda.

Todos os dias permaneciamos na unidade de manhã à noite e ele podia mamar sempre que queria e ficar ao colo a maior parte do tempo. Nos intervalos extraia leite e deixava-o para que à noite lhe pudessem dar, enquanto íamos para casa descansar e ficar com a nossa pequena L. – que tinha, quando o irmão nasceu, dois anos e meio. Pouco a pouco fui conseguindo tirar mais. De um fundinho de biberão nas primeiras vezes, ao fim de uns dias já era possível tirar um biberão cheio depois de várias horas sem extrair ou meio biberão se o fazia depois de uma mamada.

Uma semana de internamento transformou-se em três. Ao fim de uma semana não estava melhor como seria de esperar, estava pior devido a uma segunda infeção – sepsis hospitalar desta vez e muito mais grave do que a primeira, foi o diagnóstico após quatro dias de febre inexplicável. Novamente a amamentação foi interrompida, voltámos à alimentação por soro e à incubadora.

Três semanas, cinco antibióticos diferentes, uma dose de antiretroviral, uma punção lombar, inúmeras colheitas de sangue, alguns biberões de leite artificial e muitos de leite materno, e muita mama e colo depois, finalmente, tivémos alta.
Tivémos alta para o nosso pele-a-pele constante. Tivémos alta para amamentar dia e noite quando nos apetecesse. Tivémos alta para o nosso pano.

A bomba foi, finalmente, arrumada. Havia leite de chega e sobra nas mamas. Tinha prometido a mim mesma que ele iria sair daquele hospital a leite materno exclusivo – e assim foi. Ainda trouxe um biberão de leite materno para casa.

Esta experiência deu-me uma grande compreensão e respeito pelas mães de bebés prematuros ou que têm os seus bebés internados por doença, como aconteceu connosco. Eu não sei se o teria conseguido amamentar sem toda a experiência, conhecimento e apoio que tinha.

A tão desejada formação como conselheira de aleitamento materno fi-la depois – tinha o M. 6 meses. Desde aí tenho tido a maravilhosa oportunidade de apoiar presencialmente muitas mães, bebés, pais, não só na amamentação mas também noutras questões da maternidade – porque uma coisa leva sempre a outra e as dúvidas são sempre muitas. E continuo a aprender, todos os dias, a estudar mais, todos os dias, porque a lactação humana é um MUNDO – e a ciência só o começou a descobrir agora. Cada mãe-bebé ensinam-me muito; os livros não têm tudo nem podem ter porque cada família é única.

O M. tem 1 ano e meio e continua a mamar.

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